quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O último dia - parte 2

 Passou a aula com mil coisas na cabeça. A boca que falava lá na frente era só isso: uma boca que falava. Vi - a mexer, mas era como se os sons que dela saiam não significassem nada. Estava mais para um blábláblá que atrapalhava seu devaneio – além de todo o murmurinho ao seu redor que fazia tititi e incomodava-a mais ainda.
 A professora a obrigava a pensar, mas já havia pensamentos demais em sua cabeça. Aquele menino que conhecera semana passada. A briga com sua mãe. A sua loucura. Che Guevara. A dor no estomago que persistia. O revolucionário. Sua inquietação. A voz. O poema...ah!! Era um poema sobre Che Guevara aquele exercício em sua frente! Mas Renata não queria saber sobre ele – nem sobre o poema, nem sobre Che.
 Carlos...era o nome do autor. Mas não era no autor que ela começara a pensar agora. Tanto nome...porque justo esse? Quem olhasse para a cara de Renata agora teria certeza que ela não estava prestando a mínima atenção, apesar de virar as paginas acompanhando o texto com os olhos. Era apenas uma fachada – muito mal construída, diga-se de passagem.
 Sentou-se melhor em sua cadeira e resolveu prestar atenção. Tentar....estava tentando, tentando, mas alguma voz em sua cabeça não a deixava em paz. Fechou o caderno frustrada e saiu da sala. Era demais para aquele dia estranho e tumultuado. Desceu a escada tão distraída que nem reparou o garoto que subia, aquele que seria o amor de sua vida.
- O amor da minha vida? Do que você esta falando? Quem?
 Renata subiu as escadas correndo a procura de algo que não sabia o que era, ou quem era, mas deparou-se com o nada. Ninguém
- Você tá de brincadeira com a minha cara né?
 Esbravejava para o nada, falando sozinha, sem perceber que as pessoas que passavam a olhavam estranho. Abaixou a cabeça, e voltou a descer as escadas como se nada tivesse acontecido, querendo correr e enfiar a cabeça na terra. Estava frustrada, nervosa e angustiada.  Se tivesse alguém mais perto dela ouviria o “eu te odeio” que acabara de sussurrar sabe-se lá para quem. “Pra você, voz maldita”.
  Resolveu ir pra casa e esperar que tudo acabasse logo. Sim, acabaria logo.
- Como assim!?? Ahhhhh...
 Não queria falar com ninguém. Foi se esbeirando e se escondendo até chegar em casa sã e salva. Tirou seus sapatos e despiu sua roupa, largando-se na cama embaixo do ventilador de teto ligado e entregou-se aos seus pensamentos.  De repente se pegou pensando quem era ela, o que queria da vida, o que faria com ela, quem queria pra sua vida. Crise existencial? Pode ser. Queria dormir e não conseguia, queria gritar e a voz não saia, queria chorar e as lagrimas não desciam. 
 Sentou-se então em seu computador e conectou-se à internet. Não havia nenhuma mensagem nova. Não, ele não escrevera, nem escreveria, para ela. Era só mais um que a iludiu durante um tempo. Meia dúzia de palavras bonitas, um lindo sorriso, uma boa conversa e doces beijos. Mas foi só isso. E apesar de ter conhecido tantos que já fizeram o mesmo, ela não se conformava e cismava que dessa vez era diferente. Não seria.
- Tá bom, se você está dizendo eu sou obrigada a acreditar!
 Agora mesmo que sentia mais vontade de chorar. Nunca tantas verdades lhe foram tão reveladas assim em um mesmo dia. Ou pelo menos, nunca havia acreditado tanto nelas.  Decidiu então que precisava sair. Era sexta-feira e talvez umas boas doses lhe fariam bem. Ela gostava do gosto da bebida, mas nesse dia em especial queria beber só para ficar bêbada e sair de si. Tirar aquela voz de si. Não ouvir a ninguém.  Esquecer de tudo e todos. Porém, algo lhe dizia para não sair mais de casa naquele dia.
- Nem vem! Eu vou sair sim, não quero saber! Eu preciso me esquecer. E esquecer você principalmente.
 Ela como sempre bateu o pé e acabou cometendo um grande erro. Será ela a única responsável pelo final da história.

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