quarta-feira, 24 de julho de 2013

A garota do espelho

       A garota do espelho me olha assutada quando apareço de cara limpa e cabelo despenteado. Parece mais forte do que ela o impulso de levar as mãos à cabeça e tentar arrumar o que eu não vejo nada de errado. Ela não entende que beleza não se reflete ali, mas tenta a todo custo seguir padrões que a impuseram para considerarmo-nos bonita.
       Coitada, ela é tão rasa e limitada. Vive naquele mundinho de vidro e acha que o modo como ela se arruma ali, a roupa que veste ou a maquiagem que faz determinarão quem eu sou. Ela não se relaciona com ninguém, eu sim. E sei que o que ela me forçar a fazer de frente pra ela não vai influenciar nisso. Mas ela não me ouve.
        Travamos grandes batalhas todos os dias. Ela me dizendo que eu estou feia. Eu dizendo a ela que não tenho que ser bonita. O meu argumento de que beleza é um sentimento abstrato que toca a alma e não os olhos parece não atingi-la. A minha explicação sobre como os outros querem impor como devemos ser, sobre a indústria que cria um padrão de beleza inalcançável para lucrar minhões, sobre a nossa imersão numa cultura que se preocupa com corpos e não com cabeças, que enxerga peito e não coração, que nos faz comparar violão com mulher, homem com príncipe e beleza com felicidade....NADA a faz desistir de me julgar. O tempo todo.
       Como ela é pedante e inconveniente! Mesmo quando não a vejo ela ecoa na minha cabeça. Tenta controlar o que eu faço ou o que eu como para que nada que ela goste mude. Eu grito que não estou nem aí pra ela, mas ela não acredita.
       Essa luta me cansa tanto! Mesmo assim eu juro que não a deixarei ganhar. Eu não quero acabar igual a ela: uma imagem ambulante a ser admirada.  

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Pode assoprar que não vou cair.


Meu muro hoje é de tijolo. Antes, já foi de madeira e já foi de palha, mas um sopro levou tudo. Um não: dois, três, quatro...uma ventania. Levou a inocência, levou a esperança, levou toda a beleza. Deixou só os restos espalhados pelo chão: pedaços de paixões, de sonhos, de vontades. E eles nunca mais voltaram a ser como antes.
Meu muro de tijolo é bem mais seguro. Contem corações levianos, evita machucados, afasta ilusões. É certo que também não deixa passar muito as coisas boas - mas quanto a elas, tenho dúvidas se elas realmente estão aí a fora, além do meu muro.
Prefiro não trocar o certo pelo duvidoso no que diz respeito à proteção. Não me orgulho disso, não queria isso. Mas o muro já está quase pronto...de qualquer forma é muito mais difícil alguém derrubá-lo. Quer eu queira ou não.