terça-feira, 25 de outubro de 2011

O último dia - parte 1


Chave. Carteira. Celular. Porta trancada. Era outro dia que saia de casa no mesmo horário. Mas hoje saia de casa com algo estranho em seu estomago. Não, não era nada que comera ou que lhe doía, mas deixava-a mal do mesmo jeito. Ignorou o mal estar e parou no portão. Agora acabara de perceber que, se isso não bastasse, ainda ouvia vozes na sua cabeça. Mal sabia ela que hoje não seria um dia como os outros.
- Como assim não é um dia como os outros? Quem está falando isso?
 Renata falava sozinha.
- Sozinha não! Eu estou falando com você!
 Gritava ao vento. Olhava o nada, o céu, o chão, procurando por algo que não sabia o que era. De repente lembrou-se que iria perder o ônibus e que precisava correr para o ponto. Correu e chegou bem a tempo, sendo quase atropelada por ele. Isso lembrou-lhe da incrível cisma que tinham de que um dia seria atropelada, não sabia porque pensava isso, mas pensava. E temia.
 Entrou e sentou-se no lugar de costume. Mas estava longe, pensativa, com uma cara de quem está se perguntando algo. Abriu a boca para falar, mas fechou-a instantaneamente percebendo que pareceria louca falando sozinha novamente. Estava tão inquieta que nem percebeu que seu ponto já passara.
 -Meu ponto! Motorista, pára por favor!?
 Gritou se levantando e saindo do veiculo. Andou depressa até seu prédio de aula como quem estivesse fugindo de alguém e só parou quando trombou com sua amiga.
- Renata! Está tudo bem?
- Você também ouve uma voz narrando sua vida?
- Oi?
- Assim, como se tivesse um narrador contando uma história de um livro, narrando um romance. Aliás, será que minha história é um romance, uma comédia ou uma tragédia? – falava mais para si mesmo do que para sua amiga e fazia caretas muito estranhas enquanto falava – Aí! Ouviu? Ela acabou de dizer que estou fazendo caretas muito estranhas!
- E está mesmo! – Cláudia observava Renata e percebia que havia alguma coisa estranha, ela não estava bem – Renata, o que aconteceu? Você parece muito estranha!
- Ela sabia que você estava me achando estranha.
- Ela quem?
- A voz. A narradora. Ela acerta tudo, sabe de tudo.
-É onisciente então?
- É!
 As duas permaneceram mudas, cada uma tentando entender o diálogo louco que acabara de ter, sem sentido nenhum.
- Tudo pode fazer sentido! A gente pode fazer qualquer coisa ter sentido, não pode?
 Claudia assustou-se com a pergunta repentina da amiga, mas concordou:
- Sim, é o que aprendemos em aula não é?
- É...então ela está errada. Pode saber de tudo mas nem tudo o que ela sabe é certo
- A voz?

-Ahn..
 Foi nesse ponto que Renata percebeu que estava se passando por louca. Sua amiga falara “Ahn” como quem pensasse: “Tá, o médico mandou não contrariar”. Resolveu então não falar mais disso.
- Ai ai, tem aula da Márcia agora né? Que saco! – soltou voltando a sã consciência.
-Nem me fale! Eu não estou mais aguentando a matéria dela. Será que a gente vai mesmo usar alguma coisa dessas? – completou Cláudia.
- Não sei.
 Parou para pensar em tudo que aprendera até ali. Não fazia sentido (mesmo ela batendo o pé e cismando que qualquer coisa pode fazer sentido). Será que estava no curso certo?
 - Será que estou no curso certo?
- Não sei. É o que eu me pergunto sempre.
 Mas Renata nunca havia se perguntado isso antes. Ela tinha certeza, ou pelo menos achava que tinha. Da onde surgiam aqueles pensamentos? Não pareciam pertencer a ela...estava começando a perceber então que aquele dia realmente não seria só mais um....

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